
Cultivo da terra realizado por pequenos proprietários rurais produz
70% dos alimentos consumidos no país, que é considerado pela ONU exemplo
no setor. Trabalhadores do campo, no entanto, cobram mais
investimentos.
As mudanças climáticas e o aumento da população impõem desafios aos
atuais modelos de agricultura. E, nesse contexto, a agricultura familiar
ganha força – sobretudo como um importante meio para reduzir a pobreza e
garantir a segurança alimentar. As políticas brasileiras no setor são
tidas como exemplo pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e Agricultura (FAO). Mas, para os trabalhadores do campo, ainda há
muito a ser feito.
No país, 84,4% dos estabelecimentos rurais pertencem à agricultura
familiar, que emprega quase 75% da mão de obra do setor agropecuário. Em
contrapartida, somente 24,3% das áreas ocupadas por estabelecimentos
agrícolas são administradas por pequenos proprietários.
Sua produção é voltada principalmente ao mercado interno. Ela é
responsável pela plantação de 70% dos alimentos consumidos no país –
como 70% do feijão, 87% da mandioca, 58% do leite e 46% do milho.
Esses números revelam o tamanho de sua importância. Nos últimos
anos, a agricultura familiar passou a ser um setor prioritário para o
governo federal. As políticas públicas brasileiras de incentivo ao
pequeno produtor são consideradas um exemplo pela FAO.
"O incentivo à agricultura familiar contribui para reduzir a pobreza
extrema, dinamizar os mercados locais, incentivar a permanência de
agricultores na sua comunidade e também, em nível nacional, para
aumentar a segurança alimentar, reduzindo a vulnerabilidade do país ao
mercado global e ao choque de preços", diz em entrevista à DW Brasil
Salomón Salcedo, oficial de políticas da FAO.
Mas para a coordenadora geral da Federação Nacional dos Trabalhadores
e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), Elisângela Araújo,
apesar do reconhecimento nos últimos anos, ainda faltam investimentos no
setor, tanto em incentivos financeiros, pois muitos agricultores estão
endividados, quanto em tecnologias e pesquisas para aumentar a produção.
"Se essa perspectiva de desenvolvimento não tiver uma mudança rápida
nos próximos anos, tende a ter uma redução da agricultura familiar,
inviabilizando esse potencial", diz.
Agricultura e meio ambiente
Apesar das críticas, essa forma de cultivo vem ganhando importância
não só no Brasil, mas também no mundo. A FAO escolheu 2014 como o Ano
Internacional da Agricultura Familiar. "Com o aumento dos preços dos
alimentos e as mudanças climáticas, percebemos que o modelo de grandes
fazendas, não é um modelo para ser seguido no futuro", afirma Salcedo.
Para ele, o modelo da agricultura familiar não é importante apenas
para a segurança alimentar, mas também para garantir a produção de
alimentos com as mudanças climáticas. Em muitas dessas propriedades
costumam ser plantados produtos variados, além de serem utilizadas
sementes e espécies tradicionais que existem há centenas de anos e são
mais resistentes a pragas e mudanças.
Para a bióloga Claúdia Valéria de Assis Dansa, da Universidade de
Brasília (UnB), a agricultura familiar tem um grande potencial
ecológico. "A agricultura familiar pode ser bem melhor na medida em que
ela possibilita um formato, um desenho agrícola, que pode conciliar
melhor a agricultura e áreas de preservação e as áreas naturais. Há
várias possibilidades que se abrem com agricultura familiar para
preservar o meio ambiente, o que com a agricultura comercial é mais
difícil."
Alimentando o mundo
A definição de agricultura familiar varia por país. No Brasil,
agricultores familiares são aqueles que possuem um único imóvel, cujo
tamanho difere por região. Além disso, a principal mão de obra empregada
é a do produtor rural e de seus próprios familiares e sua renda vem
exclusivamente desse estabelecimento.
"São aqueles produtores que têm uma pequena propriedade, mas essa
pequena propriedade no Brasil varia. Cada estado tem um tamanho de
módulo rural, então, no Norte essas propriedades costumam ser bem
maiores do que no Sul, e podem variar, por exemplo, de 5 até 100
hectares", afirma Dansa.
A ONU estima que existam cerca de 500 milhões de pequenas fazendas
pelo mundo. Na América Latina e no Caribe elas representam cerca de 80%
das propriedades agrícolas e produzem mais de 60% dos alimentos
consumidos na região, além de empregar mais de 70% da mão de obra do
setor.
A grande concentração de agricultores familiares está na Ásia.
Segundo um relatório da Coalizão Internacional da Terra, o continente
concentra 87% dos pequenos agricultores do mundo. Somente a China possui
193 milhões, e a Índia, 93 milhões. Na África, a agricultura familiar é
responsável pela produção de 80% dos alimentos consumidos no
continente.